O Karate-dō, arte marcial de origem okinawana, consolidou-se mundialmente a partir do início do século XX, sobretudo após a difusão promovida por mestres como Funakoshi Gichin, Miyagi Chōjun, Mabuni Kenwa e Ōtsuka Hironori. No Brasil, a prática do Karate seguiu os fluxos migratórios japoneses e, posteriormente, a vinda de mestres convidados para lecionar.
Entre os quatro estilos considerados institucionais do Karate-dō – Shōtōkan, Gōjū-ryū, Wadō-ryū e Shitoryū – este último foi o mais tardio a se estabelecer no Brasil. O presente estudo analisa o processo de chegada, consolidação e expansão do Shitō-ryū no Brasil, destacando seus protagonistas e as circunstâncias históricas envolvidas.
Primeiros relatos
A história do estilo em nosso país baseia-se, inicialmente, em relatos fragmentados de práticas de kata das linhagens Shuri-te e Naha-te, realizadas por mestres pioneiros como Akamine Sei’ichi, Nakaema Moritoshi, bem como por professores que tiveram contato direto ou indireto com o estilo, tais como Yokoyama Akio, Shioda Ken’ichi, Alexandre da Costa, Guido Orozco e Paulo Mota.
Atribuições equivocadas
Na década de 1960, Akamine Sei’ichi era o único mestre no Brasil que dominava kata de ambas as linhagens, Shuri-te e Naha-te. Essa combinação acabou sendo equivocadamente associada ao Shitō-ryū. Akamine chamava seu estilo, de forma informal, de “Shinkan-ryū”. Seus conhecimentos eram fruto do aprendizado com Izumigawa Kanki e Higa Seikō (Gōjū-ryū), bem como com Kishimoto Sokō e Higa Seitoku (antigo Karate de Shuri).
De acordo com alguns registros, o Shinkan-ryū original estaria mais próximo do Shitō-ryū do que do Gōjū-ryū. Contudo, é preciso ressaltar: “mais próximo” não significa ser.
Na mesma linha, Nakaema Moritoshi, discípulo de Akamine, também teve seu nome associado ao Shitō-ryū no Brasil. Alguns pesquisadores afirmam que ele praticava e ensinava determinados kata do estilo. No entanto, assim como seu mestre, seu conhecimento estava mais relacionado ao antigo Karate de Shuri e ao Gōjū-ryū, este último praticado com Tanguchi Akira. Para evitar confusões, Nakaema criou o estilo Sankaku-ichi-ryū, justamente para substituir a denominação inadequada de Shitō-ryū que lhe era atribuída.
Outro mestre que dialoga com o Shitō-ryū é Yokoyama Akio, que chegou ao Brasil em outubro de 1965. Ele era discípulo de Tomoyori Ryūsei, fundador do estilo Ken’yū-ryū, que mescla ensinamentos de Miyagi Chōjun e Mabuni Kenwa. Assim, o Ken’yū-ryū apresenta características tanto do Shitō-ryū quanto do Gōjū-ryū. A sede central do estilo foi estabelecida em Belo Horizonte (MG). Após o falecimento de Yokoyama, em 2012, a liderança do estilo passou a Reinaldo José da Silva.
O Shitō-ryū chega de fato
Embora os mestres supracitados tenham tido seus nomes relacionados ao Shitō-ryū, acreditamos que a primeira ligação direta e documentada com o estilo de Mabuni Kenwa ocorreu com Shioda Ken’ichi, que chegou ao Brasil em 1974. No país, ele chegou a aprender alguns kata com Nakaema Moritoshi, mas sua formação principal se deu no Japão, onde treinou o estilo Itosu-ryū com Saitō Masami, da Nippon Karate-dō Tōwa-kai.
O Itosu-ryū, também chamado de “Sakagami-ha Shitō-ryū”, foi sistematizado por Sakagami Ryūshō em 1969 e, posteriormente, renomeado justamente para diferenciá-lo do Shitō-ryū de Mabuni. Atualmente, Shioda Ken’ichi integra a organização Koryū-kai, mantendo-se vinculado ao Itosu-ryū. Entretanto, informações sobre Saitō Masami, a Tōwa-kai e a relação de Shioda com Sakagami são escassas, o que suscita questionamentos quanto à legitimidade da vinculação. No site oficial da organização Tōwa-kai, em língua japonesa, consta apenas a informação de que a entidade “trabalha para o retorno às origens do Karate (de Shuri, Naha e Tomari), bem como na busca e na pesquisa exaustiva das formas tradicionais” da arte, não mencionam diretamente Sakagami Ryūshō em sua genealogia.
Ainda em 1974, Alexandre Gomes da Costa, de Portugal, formado no Tani-ha Shitō-ryū (linhagem desenvolvida na escola Shūkō-kai por Tani Chōjirō), veio ao Rio de Janeiro a convite de Sohaku Bastos[vii]. Ele foi, sem dúvida, o primeiro a lecionar oficialmente o Shitō-ryū no Brasil, ainda que não tenha institucionalizado o estilo, concentrando-se sobretudo no ensino de kumite no dōjō da Shidokan.
O Shitō-ryū de Mabuni Kenwa

O nome mais representativo do Shitō-ryū, conforme sistematizado por Mabuni Kenwa, é Guido Almílcar Orozco Durán. Ele chegou ao Brasil em 1982, convidado pela Universidade de São Paulo (USP) para lecionar e realizar pesquisas na área de metabolismo e nutrição. Originário da Guatemala, Orozco foi discípulo de Jorge Sosa (introdutor do Shitō-ryū na Guatemala), tendo treinado também com Murata Nobuyoshi (responsável pela introdução do estilo no México) e com Mabuni Ken’ei, filho de Mabuni Kenwa. Dessa forma, vinculou-se oficialmente à Nippon Karate-dō Shitōkai, entidade mundial ligada à família Mabuni.
O grande divulgador do Shitō-ryū

Outro nome de enorme relevância é Paulo Miguel da Mota Junior. A partir da década de 1990, após retornar de um período de treinamento nos Estados Unidos, Paulo Mota oficializou a representação da Nippon Karate-dō Hayashi-ha Shitō-ryū Kai no Brasil. Discípulo de Shioda Ken’ichi, Miki Minobu e Hayashi Teruo, foi responsável por expandir o estilo em todo o território nacional.
Graças ao seu trabalho, o Shitō-ryū consolidou-se no Brasil, sendo hoje amplamente reconhecido. Pode-se afirmar que praticamente todos os professores veteranos do estilo, direta ou indiretamente, tiveram contato com a trajetória de Paulo Mota.
Considerações finais
O Shitō-ryū, apesar de ter sido o último dos quatro estilos institucionais a se estabelecer no Brasil, consolidou-se de maneira sólida graças ao trabalho de mestres como Guido Orozco e, sobretudo, Paulo Mota. O percurso histórico revela que, antes de sua institucionalização, o estilo foi confundido ou associado a outros sistemas, como o Shinkan-ryū, o Sankaku-ichi-ryū e o Ken’yū-ryū.
Atualmente, o Shitō-ryū ocupa um espaço relevante no cenário marcial brasileiro, sendo reconhecido não apenas como herança técnica de Mabuni Kenwa, mas também como fruto do esforço de adaptação, ensino e divulgação realizado por mestres em solo nacional.

As linhagens de Shitō-ryū
Atualmente, existem diversas ramificações do estilo Shitō-ryū presentes no Brasil. Entre elas, podem ser mencionadas a Shitō-ryū Kenshi-kai, a Sosa-ha Shitō-ryū, a Inoue-ha Shitō-ryū e a Saito-ha Shitō-ryū.
Kenshi-kai:
John Rakoto, discípulo de Mizuguchi Hirofumi, fundou em 2012 a International Shitō-ryū Karate-dō Kenshi-kai. O honbu-dōjō da organização, denominado Kenshin-kan, está localizado na França. No Brasil, a International Shitō-ryū Karate-dō Kenshi-kai – Kenshin-kan possui representação na Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro, sob a liderança de Edimario Justiniano Ferreira, conhecido como “Dida”, fundador da Associação Brasileira de Shitō-ryū Karate-dō. Shitō-ryū Kenshi-kai apresenta uma proposta internacional, com forte vínculo à França e ênfase organizacional moderna. No Brasil, busca consolidar sua identidade por meio da Associação Brasileira de Shitō-ryū Karate-dō.
Sosa-ha Shitō-ryū:
A Sosa-ha Shitō-ryū, estilo vinculado à World Union Budō Sosa-kai, tem como representante no Brasil Alexandre Ornaghi. A sede nacional da organização está localizada no bairro do Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Alexandre Ornaghi transmite o Shitō-ryū que aprendeu com os mestres Jorge Sosa, Jorge Sosa Jr., Hugo Sosa e Horácio Machado, preservando essa linha de ensino. Sosa-ha Shitō-ryū caracteriza-se pela preservação do legado da família Sosa, mesclando tradição e vivência prática adquirida na Argentina e no Brasil. Tem um enfoque comunitário e mantém laços diretos com os mestres que formaram sua linhagem.
Inoue-ha Shitō-ryū:
A Inoue-ha Shitō-ryū Keishin-kai foi fundada em 2004 por Inoue Yoshimi, discípulo de Hayashi Teruo. No Brasil, sua filial foi estabelecida em Florianópolis (Santa Catarina), no dia 2 de abril de 2008, tendo como representante oficial Paulo Roberto Dutra. Inoue-ha Shitō-ryū Keishin-kai destaca-se pela sistematização pedagógica de Inoue Yoshimi, valorizando a prática técnica precisa e o espírito de pesquisa herdado de Hayashi Teruo. No Brasil, sua atuação tem sido consistente em Santa Catarina.
Saito-ha Shitō-ryū:
Já a Saito-ha Shitō-ryū tem como representante no Brasil Ubiratan de Souza Lima, vinculado à Traditional Karate-dō Federation International, entidade fundada em 2000 por Del Saito, na cidade de Grants Pass, Oregon (EUA). A sede central da escola no Brasil encontra-se em Mirassol, São Paulo. A Saito-ha Shitō-ryū busca equilibrar tradição e adaptação contemporânea, priorizando a filosofia marcial (budō) em paralelo ao ensino técnico. No Brasil, mantém sua principal base no interior paulista.
Cada uma dessas linhas, embora enraizada no Shitō-ryū de Mabuni Kenwa, desenvolveu características próprias, seja pela linhagem de mestres, pela adaptação pedagógica ou pelo contexto geográfico em que se expandiu. Essa diversidade contribui para a riqueza do panorama do Karate-dō Shitō-ryū no Brasil.
A Shitōkai no Brasil (SKB)
A presença da Nippon Karate-dō Shitōkai no Brasil remonta ao início da década de 1980, quando Guido Orozco introduziu a prática do Shitō-ryū Karate-dō no país, ministrando ensinamentos de forma informal durante vários anos. Posteriormente, Rogério Saito e Ivonei Dambros uniram-se a Orozco com o objetivo de estabelecer a representação oficial da organização japonesa em território nacional, resultando na criação da Associação Shitōkai do Brasil.
Em virtude de motivos pessoais, Guido Orozco afastou-se das atividades formais, enquanto Saito e Dambros seguiram, com o passar do tempo, trajetórias distintas. Rogério Saito manteve a condução da Associação Shitōkai do Brasil, enquanto Ivonei Dambros, com a anuência de Satō Shōkō, fundou em 2018 a Shitō-ryū Karate-dō Brasil (SKB). Dessa forma, tanto a Associação Shitōkai do Brasil quanto a Shitō-ryū Karate-dō Brasil configuram-se como entidades oficialmente reconhecidas pela Nippon Karate-dō Shitōkai.
Texto retirado na integra, com autorização do autor, do livro – Shitoryu nyumon, Introdução ao estilo de Kenwa Mabuni – Denis Augusto Cordeiro Andretta
