Falando sobre os kata do Shitō-ryū:

Nos dias atuais, há diversos estilos de Karate-dō os principais, devido a expansão e adesão de praticantes, são o Gōjū-ryū, o Shitō-ryū, o Shōtōkan e o Wadō-ryū. No entanto, há outros estilos, tais como Ryū’ei-ryū, Shōrin-ryū, Uechi-ryū, etc, igualmente importantes, porém menos conhecidos e praticados a nível internacional.

Não obstante, não importando o estilo, todas as manifestações do Karate-dō estão baseadas em exercícios formais que são chamados pelos japoneses de kata. Os kanji usados para designar estes exercícios são 型 e 形, que em ambos os casos, literalmente, significam “forma”, “molde”. “modelo” ou “padrão”. Quando os ideogramas estão associados ao Karate-dō a ideia que se pretende passar é de um conjunto de “formas” que servem de “modelo” para criar um “padrão” técnico para a transmissão dos estilos para as gerações futuras.

Os primeiros mestres de Karate-dō agruparam as técnicas em sequencias predeterminadas para a obtenção de vários objetivos dentro de seus ensinamentos, incluindo: desenvolvimento de combinações, simulação de combates contra múltiplos oponentes imaginários e como alternativa para treinar ou melhorar uma técnica específica, ou ainda, para aperfeiçoar uma série de técnicas.

Os kata se transformaram, com o passar dos anos, em uma espécie de “dicionário técnico” do Karate-dō. Visto que não se utilizavam registros escritos, os kata serviam perfeitamente para transmitir os conhecimentos marciais de geração em geração.
Dependendo do estilo praticado, a quantidade de kata pode variar, indo de uma contagem baixa até um número enorme. Aqui vamos nos limitar a comentar sobre o estilo que praticamos, o Shitō-ryū, criado por Kenwa Mabuni.

O Shitō-ryū possui uma grande quantidade de kata em seu currículo de ensino. No livro Kōbō Kenpō Karate-dō Nyūmon, de 1938, uma das poucas obras literárias escrita por Kenwa Mabuni que chegaram aos nossos dias, o mestre aponta como sendo 36 a quantidade de kata naquele momento. Atualmente, existem muitas linhagens e escolas criadas e ou inspiradas no estilo Shitōryū por todo o mundo. Muito foi acrescido ao estilo, por discípulos diretos do fundador, ou mesmo por estudantes de seus alunos, podendo ser encontrados sistemas que contam com 80 kata em seus currículos de ensino.
Um dos mais respeitados professores de Karate-dō Shitō-ryū do ocidente, Allen Tanzadeh, apresenta uma lista com 62 kata reconhecidos pela World Shitō-ryū Karate-dō Federation (WSKF). Algumas pessoas ao escutar 62 kata se mostram incrédulas e comentam coisas do tipo “para que tantos kata?”, “o mestre Mabuni era doido”, “por isso não treino Shitō-ryū”… entre muitos outros comentários depreciativos.

Treino do kata Matsumura Rohai, em seminário.

A realidade está longe de uma preocupação com agregar uma grande quantidade de kata, o Shitō-ryū é muito extenso por que abarca praticamente todas as formas ensinadas em Okinawa, e se distingue dos demais estilos porque engloba um grande número de ensinamentos oriundos dos mestres Ankō Itosu, Kanryō Higaonna, Seishō Aragaki e Gogenki. Há, ainda, os kata criados pelo próprio mestre Kenwa Mabuni, que idealizou alguns kata intermediários, com o objetivo de conectar as formas básicas com as avançadas, ou seja, o estilo é uma verdadeira síntese dos ensinamentos de todos os mestres com os quais Kenwa Mabuni teve contato.

Kenwa Mabuni era um mestre respeitadíssimo dentro do Karate-dō, principalmente quando o assunto era kata, afirma-se que se dedicou a preservar, em forma e essência, as técnicas dos kata tradicionais, sempre os repassando exatamente como havia aprendido com seus mestres. Devido a este fato, o seu estilo mantém as caraterísticas das formas originais de Okinawa.

Kenwa Mabuni dizia que as técnicas deveriam ser bonitas, fluídas e ter funcionalidade, ou seja, criou seu sistema baseado na tríade Yō-Ryū-Bi, o que explica a estética dos kata do estilo.

O Shitō-ryū acabou se tornando um estilo com uma grande quantidade de kata devido a ideia de Kenwa Mabuni de reunir toda informação disponível sobre o Karate-dō praticado em Okinawa na sua época, em busca de uma utópica unificação da arte.
Estamos certos que mesmo com os argumentos acima apresentados haverá quem pense que a prática dos kata, na atualidade, se limita a exame de graduação e competição. Sendo assim, vamos ver alguns pontos que possam colaborar para mudar esta visão. Para isto, vamos resumir um texto elaborado por Kenwa Mabuni intitulado “A importância da prática dos kata”.

Mabuni afirma que o “kata é a parte mais importante do Karate-dō” e que “não se pode ser negligente com os kata ou não se alcançará um avanço verdadeiro”. O mestre acreditava piamente nisto, a ponto de dizer que “metade da prática deve enfatizar o treinamento dos kata”. O sensei nos previne que “se não houver um verdadeiro conhecimento do Karate-dō não haverá uma valorização real do kata”.

Mabuni fala também que “não é preciso aprender e treinar todos os kata do estilo […] é melhor treinar três ou quatro formas, as quais se compreendam cada um dos seus movimentos (técnicas) e ter os demais kata apenas como referência”, complementando que “se realmente compreendeu a fundo as técnicas, seu rosto terá expressão viva, pois sabe o que está fazendo”.

O mestre descreve como sendo três os fatores importantes relacionados aos kata: “técnicas corretas […], respiração estabilidade ou equilíbrio”.
Mabuni-sensei trata os kata “como o ‘livro sem letras’” explicando que eles são “um dicionário que contém uma infinidade de técnicas”. Da mesma forma, aconselha o “treinamento constante dos kata” relacionando esta prática ao “aumento da vitalidade e do fortalecimento do corpo em sua declinação”. Segundo o mestre, a “forma de compreendê-los é movendo o corpo” e não “apenas com saber e recordar”.

Conforme Mabuni todas as armas que compõem o arsenal do Karate-dō estão nos kata, porém adverte que “se não compreender bem o kata” o praticante “não saberá encontrar a arma adequada”, caso seja necessário.

Encerra seu texto registrando que “pode-se dizer que não há nenhuma técnica nova, antes de nós alguém já a descobriu, aperfeiçoou e classificou em algum kata.”
Então, assim como se diz que filosoficamente o Karate-dō “começa e termina respeito”, podemos, sem dúvida nenhuma, afirmar que tecnicamente o Karate-dō inicia e finda com os kata.

Autor: Denis Augusto Andretta

Quadro de kata presente no livro “Dynamic Shitoryu Karate” de A. Tanzadeh